segunda-feira, 30 de março de 2015

O art. 5, XXXVI, da CF veda a retroatividade? Graus de retroatividade - doutrina e jurisprudência.


A seguinte assertiva foi objeto de questão da prova objetiva de direito civil do TRT2/15:

"A Constituição Federal, ao consagrar o respeito ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada, já que guardam relação com direitos e garantias fundamentais, veda a retroatividade da lei."

A CF, em seu artigo 5o, XXXVI, assegura que: "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

No mesmo sentido, o art. 6 da LINDB determina que "a lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada."

O gabarito da alternativa demonstra que a assertiva está errada e em correção feita pelo Damásio (disponível p/ todos no link http://servicos.damasio.com.br/carreirasjuridicas/html/diadamasio/comentarios_trt2_cadastro.html , o Professor Christiano Cassettari chama a atenção para os "graus de retroatividade" destacados na doutrina, o que aguçou a nossa curiosidade.

Em pesquisa a respeito, encontramos as seguintes lições em obra de Pedro Lenza: 


"Como regra. conferindo estabilidade às relações jurídicas, o constituinte originário dispôs que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

(...)

No tocante ao direito adquirido, (...), não se poderá alegá-lo em face da manifestação do poder constituinte originário, uma vez que este é incondicionado e ilimitado juridicamente. No entanto, em se tratando de manifestação do poder constituinte derivado reformador, em virtude do limite material da cláusula pétrea prevista no art. 60, §4o, IV, entendemos que os direitos adquiridos deverão ser preservados. Não se pode confundir "direito adquirido" com mera "expectativa de direito." Celso de Mello fala, de maneira interessante, em "ciclos de formação": 'a questão pertinente ao reconhecimento, ou não, da consolidação de situações jurídicas definitivas há de ser examinada em face dos ciclos de formação a que esteja eventualmente sujeito o processo de aquisição de determinado direito. Isso significa que a superveniência de ato legislativo, em tempo oportuno - vale dizer, enquanto ainda não concluído o ciclo de formação  constituição do direito vindicado - constitui fator capaz de impedir que se complete, legitimamente, o próprio processo de aquisição do direito (...), inviabilizando, desse modo a existência de mera 'spes juris', a possibilidade de útil invocação da cláusula pertinente ao direito adquirido.' (RE 322.248-AgR/SC, Rel Min. Celso de Mello).

Nesse sentido, em várias oportunidades, consolidou-se a jurisprudência do STF pela inexistência de direito adquirido a regime jurídico instituído por lei para os funcionários públicos (ADI 255/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 02.05.2003 (...).

O STF entendeu perfeitamente possível que a lei traga novas regras e preserve a mera expectativa de direito em benefício de cidadãos, por exemplo, o parágrafo único do art. 1o da Lei Estadual n. 200/74 (SP), que, ao revogar a legislação que concedia benefício de complementação de aposentadoria, ressalvou os direitos dos empregados admitidos até a data de sua vigência. (...)

Lembramos, ainda, no tocante ao direito penal, do princípio da retroatividade da lei mais benéfica, previsto no art. 5o, XL, da CF.

No que tange ao ato jurídico perfeito, destacamos a Súmula Vinculante 1: "ofende a garantia constitucional do ato jurídico perfeito a decisão que, sem ponderar as circunstâncias do caso concreto, desconsidera a validez e a eficácia de acordo constante de termo de adesão instituído pela Lei Complementar n. 110/2001." (30.5.2007)

(...)

Finalmente, analisando o instituto da coisa julgada, em situação excepcionalíssima, o STF afastou a alegação de segurança jurídica (coisa julgada) para fazer valer o direito fundamental de que toda pessoa tem de conhecer as suas origens (princípio da busca da identidade genética), especialmente se, à época da decisão que se procura rescindir, não se pôde fazer o exame de DNA.

A decisão foi tomada, em 02.06.2001, por 7x2, no julgamento do RE363.889, contendendo à recorrente o direito de, depois de mais 10 anos, voltar a pleitear, perante o suposto pai, a realização deo exame de DNA, tendo em vista que, na primeira decisão, muito embora beneficiária da assistência judiciária, a recorrente não podia arcar com as custas para a sua realização."



Sobre o mesmo tema, destaca Gilmar Mendes os graus de retroatividade:


"No conhecido voto proferido na ADI 493 destaca Moreira Alves a lição de Mattos Peixoto sobre os três graus de retroatividade - máxima, média e mínima:

"Dá-se a retroatividade máxima (também chamada restitutória, por em geral restitui as partes ao 'status quo ante'), quando a lei nova ataca a coisa julgada e os fatos consumados (...).
A retroatividade é média quando a lei nova atinge os efeitos pendentes de ato jurídico verificados antes dela, exemplo: uma lei que limitasse a taxa de juros e fosse aplicada aos vencidos e não pagos.

Enfim, a retroatividade é mínima (também chamada temperada ou mitigada), quando a lei nova atinge apenas os efeitos dos atos anteriores produzidos após a data em que ela entra em vigor.

(...)

Assim, o Supremo Tribunal Federal tem entendido que as leis afetam os efeitos futuros de contratos celebrados anteriormente são retroativas (retroatividade mínima), afetando a causa, que é um fato ocorrido no passado."

São citados nesta segunda obra mencionada acima o RE 188.366, no qual restou assente essa orientação, bem como, com orientação semelhante, o RE 205.999, do qual entendemos válido destacar : "a modificação dos efeitos futuros de ato jurídico perfeito caracteriza a hipótese de retroatividade mínima que também é alcançada pelo disposto no art. 5o, XXXVI, da Carta Magna." (g.n.)


Consideramos bem interessante o tema e com esta rápida pesquisa restou ainda mais nítida a razão da alternativa conter erro na parte que diz respeito à vedação da retroatividade da lei, uma vez que o art. 5o, XXXVI, não a veda.

Quem sabe contribuímos para o seu entendimento a respeito também e por isso resolvemos compartilhar o estudo.

Avante!


BIBLIOGRAFIA: 

LENZA, Pedro Lenza. Direito Constitucional esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2014, p.1106 a 1108.

MENDES, Gilmar Ferreira, BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 379/382, 















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